terça-feira, 8 de março de 2011

Doenças do Sistema Circulatório

Capítulo 14

DOENÇAS DO SISTEMA CIRCULATÓRIO RELACIONADAS COM O TRABALHO


14.1 Introdução

Apesar da crescente valorização dos fatores pessoais, como sedentarismo, tabagismo e dieta, na determinação das doenças cardiovasculares pouca atenção tem sido dada aos fatores de risco presentes na atividade ocupacional atual ou anterior dos indivíduos. Porém, o aumento dramático da ocorrência de transtornos agudos e crônicos do sistema cardio-circulatório na população tem feito com que as relações das doenças com o trabalho estejam merecendo maior atenção. Observa-se, por exemplo, que a literatura médica e a mídia têm dado destaque às observações quanto às relações entre a ocorrência de infarto agudo do miocárdio, doença coronariana crônica e hipertensão arterial com situações de estresse no trabalho e à condição de desemprego, entre outras.

Nos Estados Unidos, estudos estimam que cerca de 1 a 3% das mortes por doença cardiovascular estejam relacionadas ao trabalho. Tem sido registrada a associação entre baixos níveis socio-econômicos e educacionais e o aumento da incidência de doenças isquêmicas coronarianas atribuída aos fatores psicossociais de estresse e aos fatores de risco pessoal, mas também a uma maior exposição a agentes químicos, como solventes e fumos metálicos.

No Brasil, as doenças cardiovasculares representam a primeira causa de óbito, correspondendo a cerca de um terço de todas as mortes. A participação das doenças cardiovasculares na mortalidade do país vem crescendo desde meados do século XX. Em 1950, apenas 14,2% das mortes ocorridas nas capitais dos estados brasileiros eram atribuídas a molésticas circulatórias. Passaram a 21,5% em 1960, 24,8% em 1970 e 30,8% em 1980. Em 1990, as doenças cardiovasculares contribuíram com cerca de 32% de todos os óbitos nas capitais dos estados brasileiros. Além de contribuírem de modo destacado para a mortalidade, as moléstias do aparelho circulatório são causas freqüentes de morbidade, implicando 10,74 milhões de dias de internação pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e representando a principal causa de gastos em assistência médica - 16,2% do total (Lotufo & Lolio, 1995).

Entre as causas de aposentadoria por invalidez, os estudos disponíveis mostram que a Hipertensão arterial destaca-se em primeiro lugar, com 20,4% das aposentadorias, seguida dos transtornos mentais (15%), das doenças ósteo-articulares (12%) e de outras doenças do aparelho cárdio-circulatório, com 10,7%. Assim, as doenças cardiovasculares ocupam o primeiro e o quarto lugar de todas as causas de aposentadoria por invalidez, e juntas representam quase um terço de todas as doenças que provocam incapacidade laborativa total e permanente (Medina, 1986).
A prevenção das doenças do Sistema Circulatório relacionadas com o trabalho está baseada nos procedimentos de Vigilância da Saúde dos trabalhadores - vigilância epidemiológica dos agravos à saúde e vigilância dos ambientes e condições de trabalho. Utiliza conhecimentos médico-clínicos, de antropologia, epidemiológia, da higiene ocupacional, toxicologia, ergonomia, psicologia, entre outras disciplinas, valoriza a percepção dos trabalhadores sobre seu trabalho e a saúde, e considera as normas técnicas e regulamentos vigentes. Estes procedimentos podem ser resumidos em:
• reconhecimento prévio das atividades e locais de trabalho onde existam substâncias químicas, agentes físicos e ou biológicos e formas de organização e relações de trabalho potencialmente causadores de doença;
• identificação dos agravos ou danos potenciais e reais para a saúde, decorrentes da exposição aos fatores de risco;
• identificação e proposição de medidas que devem ser adotadas para a eliminação ou controle da exposição aos fatores de risco e para promoção e proteção da saúde dos trabalhadores; e
• educação e informação dos trabalhadores.

A partir da confirmação do diagnóstico da doença, e de sua relação com o trabalho, seguindo os procedimentos descritos no capítulo 2, os serviços de saúde responsáveis pela atenção aos trabalhadores devem implementar as seguintes ações:
• avaliação da necessidade de afastamento (temporário ou permanente) do trabalhador da exposição, do setor de trabalho ou do trabalho como um todo;
• se o trabalhador é segurado pelo SAT, da Previdência Social, solicitar a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT à empresa, preencher o Laudo de Exame Médico (LEM) da CAT e encaminhá-la à Agência do INSS. Em caso de recusa de emissão de CAT pela empresa, o médico assistente (ou serviço médico) deve fazê-lo;
• acompanhamento e registro da evolução do caso, particularmente se há agravamento da situação clínica com o retorno ao trabalho;
• notificação do agravo ao sistema de informação de morbidade do SUS e à Delegacia Regional do Trabalho. Dependendo do caso, é importante a notificação ao Sindicato ao qual o trabalhador é filiado;
• implementar as ações de vigilância epidemiológica visando a identificação de outros casos, através da busca ativa na mesma empresa ou ambiente de trabalho, ou em outras empresas do mesmo ramo de atividade na área geográfica;
• inspeção na empresa ou ambiente de trabalho de origem do paciente, ou em empresas do mesmo ramo de atividade, na área geográfica, procurando identificar os fatores de risco para a saúde e as medidas de proteção coletiva e equipamentos de proteção individual utilizados. Se necessário, complementar a identificação do agente (químico, físico ou biológico) e das condições de trabalho determinantes do agravo e de outros fatores de risco que podem estar contribuindo para a ocorrência;
• recomendação ao empregador quanto às medidas de proteção e controle a serem adotadas, informando sobre elas aos trabalhadores.

As medidas de promoção e proteção da saúde e prevenção das doenças do Sistema Circulatório relacionadas com o trabalho estão baseadas, além da mudança para um estilo de vida mais saudável, em:
• adoção de práticas de uso seguro de substâncias químicas e de outros agentes agressores presentes no ambiente de trabalho;
• controle dos fatores relacionados à organização e gestão do trabalho geradores de estresse e de sobrecarga psicofisiológica.

O controle da exposição a substâncias químicas e outros fatores de risco físico e mecânico deve ser feito partir de medidas de engenharia e higiene industrial, que incluem:
• substituição do agente, substância ou tecnologia de trabalho por outro mais seguro, menos tóxico ou lesivo;
• isolamento do agente físico, ou substância química, através de enclausuramento do processo, suprimindo ou reduzindo a exposição no tempo ou no espaço;
• adoção de medidas de higiene ocupacional como a implantação e manutenção de sistemas de ventilação local exaustora adequados e eficientes, capelas de exaustão, controle de vazamentos e incidentes mediante manutenção preventiva e corretiva de máquinas e equipamentos;
• monitoramento ambiental sistemático;
• adoção de sistemas operacionais e de trabalho seguros, como por exemplo a classificação e rotulagem das substâncias químicas segundo propriedades toxicológicas e toxicidade e sistemas de transporte adequados;
• diminuição do tempo de exposição e do número de trabalhadores expostos;
• facilidades para a higiene pessoal (instalações sanitárias adequadas, banheiros, chuveiros, pias com água limpa corrente e em abundância; vestuário adequado e limpo diariamente);
• informação e comunicação dos riscos aos trabalhadores; e
• utilização de equipamentos de proteção individual, especialmente óculos e máscaras adequadas a cada tipo de exposição, de modo complementar às medidas de proteção coletiva.

As intervenções sobre a organização do trabalho são mais eficazes porém mais complexas, pois, geralmente entram em conflito com as exigências da produção. Os profissionais de saúde e os responsáveis pelo gerenciamento de recursos humanos nas empresas têm sido desafiados pela tentativa de reduzir o estresse, através de mudanças na forma de organização e gestão do trabalho, na direção de:
• propiciar maior autonomia aos trabalhadores sobre as formas de trabalhar;
• diminuir as pressões de ritmo e exigências de produtividade sobre os trabalhadores, com introdução de pausas em ambientes adequados;
• estabelecer o rodízio e enriquecimento das tarefas, nos trabalhos monótonos, isolados e repetitivos;
• reduzir e ou adequar os esquemas de trabalho e turno;
• aumentar a participação dos trabalhadores nos processos de decisão e gestão; e
• melhorar as relações interpessoais de trabalho, substituindo a competição pela cooperação .

Também são importantes os procedimentos visando a identificação precoce dos problemas ou danos para a saúde decorrentes da exposição aos fatores de risco e o desenvolvimento de ações de promoção da saúde direcionadas a formação de hábitos de vida mais saudáveis. Na atualidade, particularmente no âmbito das grandes corporações, têm sido implementados programas denominados de Promoção da Saúde e Qualidade de Vida que buscam atuar sobre os fatores de estresse relacionado ao trabalho.

A vigilância da saúde desenvolvida através dos exames pré-admissionais, períódicos e demissionais, que integram o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) visa a promoção da saúde e o diagnóstico precoce da doença, constituindo um momento privilegiado para orientação e troca de informações e conhecimento com os trabalhadores. Além do exame médico-clínico podem ser necessários exames complementares definidos a partir dos fatores de risco aos quais o trabalhador está exposto e a monitorização biológica das exposições.


Para a avaliação médica da disfunção, deficiência e incapacidade para o trabalho provocadas pelas doenças cardiovasculares podem ser utilizados os critérios estabelecidos pela Associação Médica Americana (AMA), em seus Guides to the Evaluation of Permanent Impairment (4a. edição, 1995) que consideram as limitações que os sintomas impõem aos pacientes:
• Classe I: sem limitação da atividade física. As atividades usuais não produzem fadiga, dispnéia ou dor anginosa;
• Classe II: ligeira diminuição da atividade física. A atividade física habitual produz sintomas;
• Classe III: grande limitação da atividade. O paciente está bem, em repouso, porém a atividade física, menor que a habitual, produz sintomas; e
• Classe IV: incapacidade para desenvolver qualquer atividade física sem desconforto. Os sintomas podem estar presentes também em repouso.

Embora existam critérios específicos para avaliação e estagiamento da disfunção ou deficiência produzida por algumas doenças cardiovasculares, como válvulopatias congênitas, doença coronariana, doenças do pericárdio, miocardiopatias, entre outras, a classificação genérica da AMA é suficiente para uma primeira abordagem da questão, podendo ser aperfeiçoada pela contribuição do especialista em Cardiologia, e em outras áreas conexas.

Considerando a possibilidade da morte precoce, o sofrimento e limitações impostas aos pacientes e o custo social representado pelas aposentadorias precoces, as despesas com cuidados especializados de saúde, alguns envolvendo procedimentos caros, de alta complexidade destaca-se a importância das ações de promoção e prevenção dessas doenças.


14. 2 Bibliografia consultada e leituras complementares recomendadas

ANDRADE FILHO, A.& SANTOS JR., E.A. - Aparelho cardiovascular. In: MENDES, R. (Ed.) - Patologia do Trabalho. Rio de Janeiro, Atheneu, 1995. p.311-28.

CHOR, D. - Perfil de Risco Cardiovascular de Funcionários de Banco Estatal. São Paulo, 1997. [Tese de Doutoramento, Faculdade de Saúde Pública da USP].

CHOR, D.; FONSECA, M.J.M. & ANDRADE, C.R. - Doenças cardiovasculares: comentários sobre a mortalidade precoce no Brasil. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 64(1):15-9, 1995.

ILO – Encyclopaedia of Occupational Health and Safety. 4th ed. Geneva. ILO. 1998.

KRISTENSEN, T.S. - Job stress and cardiovascular disease: A theoretical critical review. Journal of Occupational Health Psychology, 1(3):246-60, 1996.

KRISTENSEN, T.S. & MANCILLA-CARVALHO, J.J. - Ambiente, condições de trabalho e doenças cardiovasculares. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 55(4):223-6, 1990.

LEVY, B. S. & WEGMAN, D. H. – Occupational Health: Recognizing and Preventing work-Related Disease and Injury. 4th ed. Philadelphia. Lippincott Williams & Wilkins, 2000.

LOTUFO, P.A. - Epidemiologia das doenças isquêmicas no Brasil. In: LESSA, I. (Ed.) - O Adulto Brasileiro e as Doenças da Mortalidade. São Paulo, Hucitec-Abrasco, 1998. p. 115-22.

LOTUFO, P.A. & LOLIO, C.A. - Tendências de evolução da mortalidade por doenças cardiovasculares: O caso do Estado de São Paulo. In: MONTEIRO, C.A. (Org.) - Velhos e Novos Males da Saúde no Brasil: A Evolução do País e de suas Doenças. São Paulo, Hucitec/NUPENS/USP, 1995. p. 279-88.

MEDINA, M.C.G. - A Aposentadoria por Invalidez no Brasil. São Paulo, 1986. [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Saúde Pública da USP].

ROSENMAN, K. D. – Occupational Heart Disease. In: ROM, W. N. (Ed.) – Environmental & Occupational Medicine. 3rd ed. Philadelphia. Lippincott-Raven, 1998. p. 733-41.

THÉRIAULT, G.P. Cardiovascular Disorders. In: LEVY, B.S. & WEGMAN, D.H. (Editors). Occupational Health - Recognizing and Preventing Work-Related Disease. Boston/New York/Toronto/London: Little, Brown and Company. 1994. 3rd ed. P. 563-573


WAISSMANN, W. - O Trabalho na Gênese das Doenças Isquêmicas do Coração. Rio de Janeiro, 1993. [Dissertação de Mestrado, Escola Nacional de Saúde Pública/ FIOCRUZ)


14.3 Lista de Doenças do Sistema Circulatório Relacionadas com o Trabalho segundo a Portaria MS Nº. 1339/GM, de 18 de novembro de 1999

I. Hipertensão Arterial e Doença Renal Hipertensiva ou Nefroesclerose Relacionadas com o Trabalho (I10 e I12)
II. Angina Pectoris Relacionada com o Trabalho (I20)
III. Infarto Agudo do Miocárdio Relacionado com o Trabalho (I21)
IV. Cor Pulmonale Crônico ou Doença Cardiopulmonar Relacionado com o Trabalho (I27.9)
V. Placas Epicárdicas e/ou Pericárdicas Relacionadas com o Trabalho (I31.8)
VI. Parada Cardíaca Relacionada com o Trabalho (I46)
VII. Arritmias Cardíacas Relacionadas com o Trabalho (I49)
VIII. Aterosclerose e Doença Aterosclerótica do Coração Relacionadas com o Trabalho (I70 e I25.1)
IX. Síndrome de Raynaud Relacionada com o Trabalho (I73.0)
X. Acrocianose e Acroparestesia Relacionada com o Trabalho (I73.8)



HIPERTENSÃO ARTERIAL e DOENÇA RENAL HIPERTENSIVA ou NEFRO-ESCLEROSE RELACIONADAS COM O TRABALHO

CÓDIGO CID-10: I10 e I12

I – DEFINIÇÃO DA DOENÇA/DESCRIÇÃO

Hipertensão arterial sistêmica (HAS) é a elevação persistente da pressão arterial (PA) sistólica e, ou diastólica, observada em duas ou mais medidas, em pelo menos duas ocasiões distintas. Os valores máximos admitidos para adultos, com mais de 18 anos, para a sistólica é de 140 mm Hg e diastólica de até 90 mm Hg. Ocorre hipertensão sistólica isolada (HSI) quando esta ultrapassa 160 mm Hg em associação com a pressão diastólica inferior a 90 mm HG.

A Doença renal hipertensiva ou Nefrosclerose ou Nefropatia hipertensiva define um conjunto de alterações renais associadas com a hipertensão arterial crônica caracterizado por comprometimento vascular, glomerular e túbulo-intersticial dos rins. A nefrosclerose ocorre com o envelhecimento normal, mas é exacerbada pela hipertensão arterial e ou, pela presença de outras doenças, como por exemplo o diabetes mellitus.


II – EPIDEMIOLOGIA/FATORES DE RISCO DE NATUREZA
OCUPACIONAL CONHECIDOS

A etiologia da HAS primária, essencial ou idiopática, que acomete cerca de 95% da população de hipertensos, não está totalmente definida. Fatores genéticos e ambientais parecem estar envolvidos na sua gênese, entre eles o estilo de vida, o estresse decorrente do trabalho ou das atividades da vida diária e a ingestão elevada de sódio.

A HAS secundária tem etiologia relativamente bem definida sendo importante sua identificação, pois, pode ser curada por cirurgia, tratamento clínico específico e, ou afastamento da exposição ao agente causal. Uma lista das principais causas de HA secundária está colocada em Anexo 1 a este Protocolo. Entre elas estão a exposição ocupacional ao chumbo e ruído. O estresse decorrente de problemas com o emprego e o desemprego, também é considerado, na atualidade, como fator de risco para o desenvolvimento de HAS.

Em algumas ocupações tem sido registrada elevada prevalência de HAS, como por exemplo, nos controladores de tráfego aéreo. Quando comparados com seus próprios exames admissionais observa-se uma prevalência 1,6 vez maior nos trabalhadores de torres de grande movimento do que naquelas de pequeno movimento. No clássico estudo desenvolvido por Míriam Ribeiro e colaboradores, em 1981, analisando a prevalência de HAS no município de São Paulo, em 57 diferentes estabelecimentos de trabalho, a prevalência variou de 11, entre profissionais liberais, a 21%, no setor de empresas jornalísticas e publicitárias. Os autores também detectaram uma tendência a níveis pressórios mais elevados nos trabalhadores que excediam 48h de trabalho por semana, quando comparados com os que trabalhavam menos que este limite.

Em motoristas de ônibus urbanos em grandes metrópoles tem sido descrito um excesso de prevalência de HAS. Ricardo Cordeiro em análise de 839 trabalhadores demonstrou associação positiva entre a pressão arterial diastólica e o tempo acumulado de trabalho, separando o efeito da idade nos motoristas.

Excluídas as causas comuns, não ocupacionais, de HAS secundária, e havendo evidências epidemiológicas de excesso de prevalência em determinados grupos ocupacionais, esta poderá ser classificada como “doença relacionada com o trabalho”, do Grupo II da Classificação de Schilling, sendo o trabalho considerado como fator de risco, no conjunto de fatores de risco associados com a etiologia multicausal da Hipertensão. Trata-se de nexo epidemiológico de natureza probabilística.

A Doença renal hipertensiva faz parte do processo de envelhecimento “normal”, mas pode ser exacerbada pela hipertensão arterial, e por condições subjacentes como o diabetes mellitus, por exemplo. Sua relação causal com o trabalho pode estar vinculada a quatro mecanismos básicos:
• à condições de trabalho estressogênicas, como demandas e ritmos de trabalho excessivos; conflitos no trabalho, exposição ao ruído, entre outras produtoras de hipertensão arterial;
• aos efeitos de constrição arteriolar diretamente sobre a vasculatura do rim, exemplificados por aqueles produzidos pelo chumbo;
• à possibilidade de ação nefrotóxica direta, como no caso de exposição ao mercúrio; e
• ao efeito aterogênico sobre a parede dos vasos, como é o caso típico do sulfeto de carbono entre outros agentes químicos específicos.

Em trabalhadores que se enquadrem nestas condições, a Doença renal hipertensiva, após estudo clínico e exclusão de outras causas subjacentes, poderá ser considerada como “doença relacionada com o trabalho”, do Grupo II da Classificação de Schilling, no qual o trabalho é fator de risco associado com sua etiologia.


III – QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO

A HAS pode ser classificada conforme a gravidade do quadro, com base nos níveis da Pressão Arterial (PA) diastólica, seguindo os seguintes parâmetros:
• HAS leve: diastólica entre 95 e 104 mm Hg;
• HSA moderada: diastólica igual ou superior a 115 mm Hg; e
• HAS grave: diastólica igual ou superior a 115 mm Hg.

A pressão normal-alta (diastólica entre 85-89 mm Hg) designa grupo especial de indivíduos que apresentariam riscos cardiovasculares superiores aos normais e que seriam beneficiados com medidas não farmacológicas de suporte. A HAS conforme os níveis de PA sistólica é também classificada em HAS sistólica isolada limítrofe (sistólica entre 140 a 159 mm Hg) e HAS sistólica isolada (sistólica acima de 169 mm Hg), ambas com os níveis diastólicos normais. Indivíduos que apresentam, ocasionalmente, PA diastólica acima de 90 mm Hg, sem ultrapassar os limites da HA leve, são denominados hipertensos lábeis. Existem evidências da progressão dos pacientes deste grupo para hipertensão leve, após alguns anos em controle adequado. Alguns pacientes podem ser classificados como portadores de HAS maligna quando o nível PA diastólica estiver acima de 140 mm Hg associado à presença de papiledema à fundoscopia óptica, ou de HAS acelerada, quando os níveis de PA diastólica forem além de 140 mm Hg, porém sem evidência de papiledema. Considera-se HAS complicada, quando há associação de lesões de órgãos-alvo como acidente vascular cerebral e, ou insuficiência cardíaca congestiva, renal, coronariana, infarto do miocárdio e aneurismas arteriais.

O diagnóstico é clínico. Baseia-se na média de duas ou mais medidas de PAS acima de 140mmHg e/ou PAD acima de 90mmHg, em visitas subseqüentes, estando o paciente descansado, em ambiente tranqüilo e não devendo ter fumado ou ingerido café nos últimos 30min.

A propedêutica é necessária para avaliar a presença e grau de comprometimento de órgãos-alvo, identificar outros fatores de risco para doenças cardiovasculares e para o diagnóstico de alguns casos de HAS secundária. Achados em exames laboratoriais podem sugerir HAS secundária como hipocalemia no aldosteronismo primário; hipercalcemia no hiperparatireoidismo; e elevação da creatinina ou urinálise alterada na doença parenquimatosa renal.

Ó diagnóstico baseia-se em:
• Exame clínico e medida da PA segundo a técnica descrita;
• Exames laboratoriais recomendados:
- urinálise,
- hemograma, sódio, potássio, creatinina, glicose, colesterol total e HDL-colesterol;
- eletrocardiograma (ECG).

O diagnóstico de HAS secundária à exposição ao chumbo requer história de exposição ocupacional e documentação laboratorial.


IV – TRATAMENTO E OUTRAS CONDUTAS

O tratamento é feito através de medidas não-farmacológicas e farmacológicas.

As medidas não farmacológicas incluem a modificação do estilo de vida, constituem a primeira intervenção terapêutica e estão indicadas em todos os casos. São recomendadas: redução do peso, restrição do uso de bebidas alcoólicas, abstenção do uso de cigarros, restrição da ingestão de sódio, ingestão de quantidades adequadas de potássio, cálcio e magnésio e atividade física regular. Medidas de relaxamento e biofeedback também são efetivas.

O tratamento farmacológico deve ser iniciado com base na estratificação do risco de doença cardiovascular, considerando o grau da HAS, a presença de lesões em órgãos-alvo, a presença de fatores de risco para doenças cardiovasculares (tabagismo, dislipidemia e diabetes mellitus) e a presença de doença cardiovascular. Também é necessário atenção em relação à existência de exposições ocupacionais capazes de interagir com os fármacos utilizados como, por exemplo, temperaturas elevadas com diuréticos e beta-bloqueadores ou com solventes que podem provocar sintomas semelhantes aos efeitos colaterais de diversos antihipertensivos.

A identificação de uma causa secundária possibilita a eliminação do fator desencadeante da HAS. A modificação do estilo de vida deve ser estimulada independente da indicação de terapia farmacológica.

Uma grande variedade de drogas pode ser usada como tratamento da HAS, entre elas: diuréticos, *-bloqueadores, bloqueadores adrenérgicos de ação central (2-agonistas), bloqueadores adrenérgicos de ação periférica, 1-bloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, vasodilatadores periféricos, inibidores da enzima conversora de angiotensinogênio (ECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina II. A escolha da droga deve levar em conta, entre outros fatores, o custo, a comodidade posológica, a disponibilidade, a presença de outras doenças ou uso de outros medicamentos, o sexo e a raça. Na ausência de contra-indicação ou indicação de uso de outra classe de droga, recomenda-se iniciar a terapia farmacológica com diuréticos, com ou sem *-bloqueadores que reduzem a morbi-mortalidade da HAS.


V – PREVENÇÃO

Programas de promoção da saúde, desenvolvidos por empresas, pelo SUS ou outras instituições, voltados para os fatores de risco individuais, sociais e culturais para doenças cardio vasculares podem ter resultados positivos, desde que associados a medidas de controle e melhoria dos ambientes, das condições e das relações de trabalho.

O controle da exposição ao chumbo, ao sulfeto de carbono, a solventes e a inseticidas organofosforados e carbamatos pode contribuir para a redução da incidência de hipertensão arterial secundária em grupos ocupacionais de risco. As medidas de controle ambiental visam a eliminação ou redução dos níveis de exposição a concentração próximas de zero, ou dentro dos limites estabelecidos, através de:
• enclausuramento de processos e isolamento de setores de trabalho;
• uso de sistemas hermeticamente fechados, na indústria;
• adoção de normas de higiene e segurança rigorosas com sistemas de ventilação exaustora adequados e eficientes;
• monitoramento ambiental sistemático;
• mudanças na organização do trabalho que permitam diminuir o número de trabalhadores expostos e o tempo de exposição e, se possível, da presença de fatores estressogênicos;
• medidas de limpeza geral dos ambientes de trabalho, facilidades para conforto e higiene pessoal, recursos para banhos, lavagem das mãos, braços, rosto, troca de vestuário; e
• fornecimento, pelo empregador, de equipamentos de proteção individual adequados, em bom estado de conservação, nos casos indicados, de modo complementar às medidas de proteção coletiva.

Recomenda-se a verificação do cumprimento, pelos empregadores, de medidas de controle dos fatores de riscos ocupacionais e acompanhamento da saúde dos trabalhadores prescritas na legislação trabalhista e nos regulamentos sanitários e ambientais existentes nos estados e municípios.

Apesar dos efeitos do ruído sobre a pressão arterial serem independentes do desenvolvimento de perda auditiva, nos casos de exposição a níveis de ruído acima de 85 dB, devem ser adotadas medidas de eliminação e/ou controle na fonte de exposição através de colocação de barreiras e adequação das condições gerais do ambiente; enclausuramento, proteção e manutenção de máquinas; e, por último, medidas voltadas para o trabalhador através do uso de protetor auditivo, treinamento, pausas, diminuição do tempo de exposição. Devem ser observadas as determinações da Portaria 19 de 9/4/98, que estabelece as Diretrizes e Parâmetros Mínimos para Avaliação e Acompanhamento da Audição em Trabalhadores Expostos a Níveis de Pressão Sonora Elevados. A exposição simultânea a solventes tóxicos e ao ruído devem ser evitadas.

Recomenda-se observar os Limite de Tolerância para a concentração de algumas substâncias químicas no ar ambiente e trabalho, segundo parâmetros definidos na NR-15., como por exemplo, para o chumbo é de 0,1 mg/m3 de ar ambiente. Esses limites devem ser comparados com aqueles adotados por outros países e revisados periodicamente à luz do conhecimento e evidências atualizadas.

O exame médico periódico visa a identificação de sinais e sintomas para a detecção precoce da doença e inclui:
• exame clínico completo com monitoramento sistemático dos níveis de pressão arterial;
• dosagem de triglicerídeos, colesterol, glicemia;
• eletrocardiografia;
• registro dos demais fatores de risco (tabagismo, abuso de álcool e outras drogas etc) e a orientação do trabalhador;
• monitorização biológica. Para o chumbo utilizam-se os seguintes indicadores biológicos de exposição:
- concentração de chumbo no sangue, cujo valor de referência (VR) é de até 40 g/100 ml e
valor do IBMP é de 60 g/100 ml (reflete apenas a absorção do metal nas semanas
antecedentes à coleta da amostra);
- concentração de ácido delta amino-levulínico na urina, cujo VR é de até 4,5 mg/g creatinina e
IBMP de 10 g/g creatinina;
- concentração de zincoprotoporfirina no sangue, cujo VR é de até 40 g/100 ml, e valor do IBMP de 100 g/100 ml.

Ao exame devem ser pesquisada a presença de sintomas de ordem psico-emocional ou neuropsíquicos, que freqüentemente aparecem associados à hipertensão arterial. Sua presença, na maioria dos casos, determina a necessidade do afastamento do trabalhador da exposição, mais do os níveis tensionais e/ou a perda auditiva isoladamente.

Feito o diagnóstico e confirmada a relação da doença com o trabalho deve ser realizado:
• informação aos trabalhadores;
• exame dos expostos visando identificar outros casos;
• notificação do caso ao sistema de informação em saúde;
• caso o trabalhador seja segurado pelo SAT da Previdência Social, providenciar emissão da CAT, conforme descrito no Capítulo 5; e
• orientação ao empregador para que adote os recursos técnicos e gerenciais adequados para eliminação ou controle dos fatores de risco e os cuidados de saúde indicados


VI – OBSERVAÇÕES ADICIONAIS E LEITURAS RECOMENDADAS

ANDRADE FILHO, A., SANTOS JR., E.A. - Aparelho cardiovascular. In: MENDES, R. (Ed.) - Patologia do Trabalho. Rio de Janeiro, Atheneu, 1995. p.311-28.

CORDEIRO, R. et al. - Associação da pressão arterial diastólica com o tempo acumulado de trabalho entre motoristas e cobradores. Revista de Saúde Pública, 27(5): 363-72, 1993.

CORDEIRO, R. et al. - Ocupação e hipertensão. Revista de Saúde Pública, 27(5): 380-7, 1993.

CORDEIRO, R. - Pressão arterial diastólica entre motoristas e cobradores de Campinas, usuários de um serviço de Saúde Ocupacional. Campinas, 1991. [Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP].

HERTZ-PICCIOTTO, I., CROFT, J. - Review of the relation between blood lead and blood pressure. Epidemiological Reviews, 15(2):352-73, 1993.

ILO – Encyclopaedia of Occupational Health and Safety. 4th ed. Geveva. ILO, 1998.

JNC VI.- The Sixth Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. Archives of Internal Medicine, 157:.2413-46, 1997.

KRISTENSEN, T.S. - Cardiovascular diseases and the work environment: a critical review of the epidemiologic literature on nonchemical factors. Scandinavian Journal of Work Environment and Health, 15: 165-79, 1989.

KRISTENSEN, T.S. - Cardiovascular diseases and the work environment: a critical review of the epidemiologic literature on chemical factors. Scandinavian Journal of Work Environment and Health, 15: 245-64, 1989.

LEVY, B. S. & WEGMAN, D. H. – Occupational Health: Recognizing and Preventing work-Related Disease and Injury. 4th ed. Philadelphia. Lippincott Williams & Wilkins, 2000.

PINHO, C. et al. - Alterações cardiovasculares em motoristas de ônibus. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 19(73): 53-8, 1991.

RIBEIRO, M.B.D. et al - Hypertension and economic activities in São Paulo, Brazil. Hypertension, 3(suppl.II):.II233-7, 1981.

SANTANA, V. & BARBERINO, J.L. - Exposição ocupacional ao ruído e hipertensão arterial. Revista de Saúde Pública, 29(6): 478-87, 1995.

SANTOS, A.C. - Efeitos renais crônicos em trabalhadores expostos ao chumbo e suas relações com a pressão arterial. São Paulo, 1992. [Tese de Doutorado, Faculdade de Saúde Pública da USP].




FIGURA 14.1 - DE HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA



PRINCIPAIS CAUSAS


Carcinóide
Causas adrenais
Aldosteronismo primário
Feocromocitoma
Hiperplasia adrenal congênita
Produção excessiva de mineralocorticóides
Síndrome de Cushing
Coarctação da aorta
Distúrbios hormonais
Acromegalia
Hiperparatireoidismo
Hipertireoidismo
Hipotireoidismo
Doença parenquimatosa renal
Doença renovascular
Exposição a substâncias tóxicas
Chumbo
Inseticidas organofosforados e carbamatos
Solventes
Sulfeto de carbono
Exposição ao ruído
Gravidez
Tumores secretores de renina
Uso de drogas
Álcool
Anfetaminas
Cocaína
Uso de medicamentos
Agentes imunossupressores
Anticoncepcionais orais e terapia de reposição hormonal
Bromocriptina
Corticóides
Eritropoetina
Esteróides anabolizantes
Inibidores da monoamino-oxidase
Simpaticomiméticos

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